Rota Temática/Themed Route
Freedom Route
Reproduzindo os passos daqueles que desataram o medo e abriram as portas da liberdade, esta rota pretende ser um passeio pela memória de alguns dos acontecimentos que fizeram do dia 25 de abril de 1974, nos versos de Sophia e na alma dos portugueses, “O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo”.
— Samuel Nobre, Autor da Rota
Assim, no princípio da manhã do dia 25 de abril de 1974, as forças do regime confrontaram os elementos do Movimento das Forças Armadas que estavam estacionados em protesto à beira do rio. No rio uma fragata da marinha recebeu ordem para disparar sobre os revoltosos mas recusou cumpri-la, estava assim dado o primeiro sinal de que o dia seria diferente. O segundo chegou logo às dez da manhã quando mais um grupo militar do regime desobedeceu às ordens que o motivavam a terminar o protesto pelo uso da força. O povo ia sendo informado de tudo o que se ia passando através das emissões da rádio.
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
— Eugénio de Andrade, Urgentemente
Mais tarde, nesta praça, as forças rebeldes tomaram conta dos ministérios que aqui estavam sediados, e as forças policiais (PSP) passaram a obedecer ao general Salgueiro Maia, um dos grandes heróis da revolução. Depois dos ministros se virem obrigados a fugir, a coluna militar de Salgueiro Maia foi do Terreiro do Paço até à Praça do Carmo onde se escondiam Marcelo Caetano e outros líderes políticos.
Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que eu quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz precipitado.
— Sophia de Mello Breyner Andresen
Curiosamente, contra os precavidos apelos do Movimento das Forças Armadas que iam sendo transmitidos pela rádio, as pessoas saíram às ruas enchendo-as de manifestações de alegria. Quando nas estradas da cidade, como na estrada desta rua, já desfilavam veículos militares, as forças do regime foram-se rendendo e desistindo perante o uníssono grito da liberdade há muito perdida.
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
— António Gedeão, Pedra Filosofal